Não há hoje a mais pequena dúvida de que o Castelo de Santa Maria da Feira, tal como o vemos e conhecemos, representa a última de uma longa série de construções que, naquele mesmo local, se foram sucedendo durante centenas ou milhares de anos, como guardiãs dos bens das populações que nas suas vizinhanças se estabeleciam.
Mas se a arqueologia atesta a fixação de povos no local desde, pelo menos, a proto-história, já nos não pode ser de grande recurso para reconstruir a história do castelo, pois o que dele vemos actualmente é, apenas, o que resta de construções medievais que se foram sobrepondo umas às outras, na maior parte dos casos com derrube das anteriores; a parte mais significativa, porém datada dos sécs. XV e XVI, mais ou menos "arranjada" pelo restauro levado a cabo pela D.G.E.M.N. EM 1935.
Se somente podemos ter a certeza da sua existência na época da Reconquista, sabemos que já nessa altura o castelo era um dos mais importantes dos que existiam no Condado Portucalense, quando o conde D. Henrique assume o seu título. E não faltaram até os escritores que procuraram fazer do Castelo da Feira o verdadeiro berço da Pátria...
Pela sua situação geográfica, bem cedo ficou longe das primeiras linhas da guerra de expansão cristã para o Sul; e assim o seu "paele", a pouco e pouco (e exceptuando a ocasião de certas lutas intestinais, como as que opuseram D. Dinis a seu filho), passou mais a ser o de residência e paço dos grandes senhores seus alcaides, do que lugar ou base de façanhas guerreiras. A tal ponto que em meados do séc. XV está tão arruinado, que é necessário reconstruí-lo; e é dessa reconstrução que data o aspecto que hoje lhe conhecemos.
A sua importância, porém, vai declinando até ser incorporado na Casa do Infantado, por decisão de D. Pedro II - decisão funesta, pois, em 1837, se escapou ao leilão a que foram sujeitos os bens da Casa do Infantado, não deixou de ficar isolado e encravado em terras de um irmão do Conde das Antas. E o Velho castelo, já sem qualquer serventia, aí ficou arruinar-se cada vez mais, engrinaldando-se de heras gigantes e vinha brava, em plena consonância com a estética romântica; e só Alexandre Herculano teve a coragem de pugnar pela defesa do que classificou como "uma das mais perfeitas antiguidades" de Portugal. Valeu-lhe, entretanto, para obstar à completa ruína, a benemérita acção de alguns feirenses que, isoladamente ou congregados numa "Comissão de Vigilância e Conservação do Castelo da Feira", por diversas ocasiões, a partir de 1905, suportaram o custo de obras de conservação e lutaram tenazmente pelo restauro e dignificação do seu velho castelo. Um exemplo do que podem e são capazes as associações de Defesa do Património Cultural, hoje tanto em voga!
De planta alongada, conforme à de outras fortalezas coevas do Norte de Portugal, o Castelo da Feira salienta-se pela sua Torre de Menagem, de planta rectangular, de maiores dimensões do quaisquer das suas congéneres da época, com 3 andares, sendo o último coberto de pesada abóbada de berço (arcaísmo ainda inexplicado), e amparada por torres quadradas "que no séc. XVI foram coroadas de agulhas semelhantes às das igrejas e castelos do Alentejo" (M. Chicó). Despojado dos seus peços, e reduzido a uma pura carcaça pétrea (como quase todos os castelos de Portugal), o Castelo da Feira consegue manter um extraordinário poder evocativo e uma inconfundível e pitoresca silhueta." (in "EUROPA/80" - nº 1, com a devida vénia)
Em 1709, na sua COREOGRAFIA PORTUGUESA, o matemático Padre António da Costa, bem conhecido e citado escritor, apresentou assim a povoação:
"A cinco léguas da cidade do Porto, em um ameno e salutífero vale, tem seu assento a nobre vila da Feira, cujo termo é mui dilatado."
Um velhíssimo castelo pousado nas primeiras ondulações ao longe da beira-mar e em frente da barra do Vouga, foi aglomerando entre serena, extensa e linda paisagem, pelo prestígio do seu poderio, os canais e herdades. Tornou-se esta povoação capital das terras dependentes desse senhorio e os cristãos denominaram-na Cicitas de Santa Maria, substituindo talvez a anterior denominação de Lancóbriga. O agrupamento das habitações fez-se em volta do local, no sopé do castelo, onde os povos vinham pagar rendas e alcavalas aos prestameiros, expôr à venda as suas colheitas e prover-se dos artefactos e utensílios necessários. Assim se estabeleceria o mercado denominado FEIRA, radicando-se este nome à povoação ali agrupada que se tornou capital de toda a Terra de Santa Maria.
A mais antiga referência a este nome da vila aparece no documento XXXVI citado nas DISSERTAÇÕES CRONOLÓGICAS com data de 1117. É a carta de Coutinho de Osselva dada por D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques e viúva do Conde D. Henrique, em novembro da era de 1155 ( ano de 1117) e datada de UBI VOCANTE FEIRA (onde chamam Feira).
Tornou-se a Feira cabeça dessa Terra, como confirma EL Rei D. Manuel I ao dar o foral de 10 de fevereiro de 1514 "declarando primeiramente os direitos particulares de Feira por ser cabeça da Terra de Santa Maria e assim estar nos tombos antigos tirados da torre do tombo." Diz a lenda que a vila é uma reconstrução da cidada romana de Lancóbriga.
"Tem uma aparência especial e característica. Este velho monumento ostenta quatro torreões erguidos em torno da torre de menagem. Encima cada um deles um corucheu cónico cercado por quatro pequenas pirâmides também cónicas e coroadas de florões. Só em uma velha torre de Arraiolos encontrei disposição semelhante. Ninguém me soube explicar a idade e a procedência de tal torre.
O que primeiro temos de notar no Castelo da Feira é o arco em volta do círculo que antecede a porta principal da torre de menagem. Afigura-se ser o mais antigo que ali existe. É um velhíssimo arco de pedras vermelhuscas e de grão grosso, com aspecto diverso das demais que compõem o monumento. Atentando bem nelas não nos custa a considerar a sua grande vetustez. Estão ali naquela curva circular há mais de dois mil anos. Já se não encontra pedra de semelhante aparência na vila nem nas proximidades. Os romanos não íam longe buscar o material para as suas construções e portanto foram extraídas de um veio extinto de que não sobreviveram restos nem notícia nem memória.
Junto de esse arco está colocada uma ara romana e outra se guarda à esquerda da porta da torre aberta ao nascente. Ambas estas arcas e o resto de outra muito partida encontraram-se ao apear torreões concertados e reerguidos. Como os romanos colocavam as aras nos templos ou nos castros, esses achados e o arco referido, resto decerto de edifício de essa época, dão a evidência de ter existido ali um castro romano antecessor do castelo medieval cujas paredes contemplamos. Os romanos exerceram o seu poderio na península ibérica desde o século III antes de Cristo até ao terceiro da era Cristã. Portanto, mais de 2 mil anos tem decorrido depois das velhas e grossas pedras serem talhadas naquele arco.
A porta seguinte a esse arco foi evidentemente alargada e até alterada quando esse recinto no baixo da torre foi aproveitado para cavalariça e cocheira. Na parede do norte há aparentes sinais das baías separando os cavalos. Na parede do poente divisam-se ainda vestígios de sobreloja para alojamento dos que guarneciam o castelo."
Ermídio Monis, irmão mais velho do Aio Egas Monis, herdando o senhorio da Terra de Santa Maria, insurgiu o seu castelo contra o governo de D. Teresa e de Fernão Peres Trava, proclamando independentes do reino de Leão os territórios que constituiam o condado de D. Henrique da Borgonha, dando iníco à campanha que D. Afonso Henriques capitaneou até à batalha de S. Mamede em 24 de Junho de 1128. A valia do amplo julgado da Terra de Santa Maria sujeito ao Castelo ressalta logo da audácia de D. Afonso Henriques marchando para a capital do condado com forças bastantes para valerem o apoio e ajuda do arcebispo de Braga, com quem fez o tratado constante do célebre documento de 27 de Maio de 1128, chamado carta de couto de Braga, no qual o Infante faz mercês ao arcebispo D. Paio UT SIS ADJUTOR MEUS: para que o ajude a tirar o poder das mãos da mãe e do favorito." Vaz Ferreira
A fundação dos principais e mais antigos Castelos de Portugal encontra-se envolta por uma neblina que tempo favoreceu e cujo passado longínquo não se presta a dissipá-la. O Castelo da Feira é um dos exemplos dessas histórias.
Atentando nestas limitações que facilmente nos induzem em erro, começarei por referir que a dinâmica da romanização ibérica ia exigindo, aqui e ali, fortalezas de maior ou menor importância, como castros e castrejos, pelo que nos parece lícito supor que fossem os romanos quem primeiro alicerçou o originário monumento que, segundo se pensa, consistira num templo fortificado. Tal suposição fundamenta-se nas três aras romanas cujas mensagens traduzem as honras aos deuses Tueraeus e Bandevelugus Toiarecus a fim de que estes dossem próprios às impresas militares de Ário e Lúcio.
Poderemos fundamentar-nos também num arco romano, existente ao fim da praça de armas, precedendo a porta principal da torre de menagem, cujas características nos apontam cerca de vinte séculos de história...
Mem Guterres e Mem Lucídio reconstruíram o castelo de feições mouriscas, aquando a expulsão dos romanos da península pela ocupação territorial dos visigodos, dando-lhe uma outra feição que se aproxima já da poderosa fortificação feudal que hoje conhecemos, com grossas e compridas muralhas e erguendo-se já as construções do seu interior. Seriam eles que dominariam a terra que circundava o castelo da Terra de Santa Maria, enobrecimento esse devido ao castelo, outrora, de Santa Maria, que então tudo abrangia e representava. De documentos históricos resulta que, 1093 era alcaide desde Flacêncio e, em 1102, era seu "tenens" Venegas Joanis.
Anos depois, seria este castelo furtado a D. Teresa por D. Afonso Henriques, urdindo-se ali, por um dos seus mais influentes partidários, Ermígio Moniz, irmão de Egas Moniz, a bem sucedida insurreição contra D. Teresa e o reino leonês que culminaria com a independência de Portugal.
A importância deste castelo nos promórdios da nacionalidade, quanto a segurança e conforto, para a sua época, é notória. D. Sancho I ordena que nele se abriguem, por tempo ilimitado, a rainha e suas filhas. No Foral das Terras de Santa Maria e Castelo, datado de 1251, registaram-se um conjunto de inquirições às suas terras e estipulam-se os direitos e deveres das suas gentes para com o castelo e palácio do rei.
Meio século depois, D. Dinis incluía-o no dote da raínha Santa Isabel.
Vinte e um anos depois, o castelo é tomado pelo infante Afonso (depois IV) que se revoltara contra o rei, seu pai. Feitas as pazes, mantém o castelo em seu poder e, anos mais tarde, o seu filho D. Pedro I cede-o a um seu vassalo de nome Gonçalo Garcia de Figueiredo (1357).
Em 1383, o rei D. Fernando faz mercê do senhorio das terras de Santa Maria a D. João Afonso Telo, irmão de D. Leonor Teles. Após a deflagração da crise dinástica, meses depois, este declara-se por Castela, do que lhe resulta ser tomado por Gonçalo Coutinho para o mestre de Avis, em 1385, sendo alcaide Martim Correia e quando fervilhava por todo o país o espírito revolucionário contra os partidários de Castela. D. João I confia-o a João Rodrigues de Sá, o Sá das Galés (herói que derrotara as galés castelhanas no Tejo) que, após a sua morte, passa para as mãos de seu filho.
Entretanto, D. João I faz mercê das Terras de Santa Maria a Álvaro Pereira, primo-tio de D. Nuno Álvaro Pereira, pelos valiosos serviços prestados à Coroa. Consequentemente, o seu neto, D. Fernando Pereira pede o castelo para a sua família, pedido esse aceite em 1448 e fazendo assim o castelo transitar de senhor e ingressar nos condomínios dos antecessores dos Pereiras, cujo condado se inicia na geração seguinte.
Colaboradores | Texto: Mariana Alves da Costa |
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Fotos: José Semelhe, 1997 (Fotos de Portugal) | |
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